segunda-feira, 22 de junho de 2009

Média de uma eleição cada 17 meses

Nota 12 — "A eleição geral de deputados era um dos acontecimentos mais regulares e frequentes da vida política portuguesa. Entre Março de 1890 e Agosto de 1910, houve em Portugal 14 eleições gerais, ou uma média de uma eleição cada 17 meses. Nos 20 anos anteriores, entre 1870 e 1890, tinha havido 10 eleições, e entre 1850 e 1870 outras 10. Assim, um português nascido em 1840 teria, em 1910, assistido durante a sua vida adulta a cerca de 30 eleições gerais, ou uma em cada dois anos".
Ramos, Rui. "História de Portugal", direcção de José Mattoso, Círculo de Leitores, 1994, sexto volume, pág. 118.

Se não me engano, a revolução ameaça-nos de perto...

Nota 10 — A aproximação inevitável da revolução começava a presssentir-se. José Luciano de Castro, em carta ao rei, prevenia:
"O partido republicano avança a passos rápidos. Já tomou posse da Câmara Municipal e de grande maioria das juntas de paróquia de Lisboa, e fez eleger há dias o presidente da Sociedade de Geografia, derrotando um dos ministros, e, no dia 2 do corrente, sob pretexto de afirmação de princípios liberais, promoveu uma imponentíssima e extraordinária manifestação republicana que terminou por uma sessão tumultuosa na Câmara dos Deputados, em que alguns deputados deram vivas à República correspondidos por calorosas manifestações das galerias, onde só estavam republicanos. Nesse movimento estavam confundidos republicanos e dissidentes". E mais adiante: "Se não me engano, a revolução ameaça-nos de perto…".
Júlio de Vilhena, pessoalmente, fazia ao monarca avisos idênticos.
Efectivamente, a revolução caminhava a passos largos. O almirante Cândido dos Reis desenvolvia na Marinha uma acção muito intensa, aliciando numerosos oficiais. O novo Juiz de Instrução Criminal ia apanhando várias malhas da organização secreta Carbonária. Mas, justamente, os perigos e as ameaças aceleravam a preparação revolucionária. Os chefes mal podiam já conter os conjurados".
Peres, Damião. Obra citada, pág. 451.

Nós conhecemos bem a incompetencia de D. Manuel

Quatro colunas de merecidas loas a Montenegro, a quinta coluna guardada para a actualidade política. A iminência da dissolução da câmara dos deputados era motivo para mais uma zurzidela nos poderes públicos instalados:
"A dissolução da camara dos deputados é mais um golpe de estado, que não podemos nem devemos consentir (…) é necessario que o povo mande um dia, e que diga aos politicos de officio que isto ainda não é o paiz por elles conquistado; que attendam ao que reclamamos com justiça; que é preciso que se resolvam com a maior urgencia as questões agora suscitadas". (Nota 10)
Novidade a assinalar: o rei era agora visado directamente nas críticas do periódico lousanense:
"Nós conhecemos bem a incompetencia de D. Manuel, para Chefe da nação. Creança ainda; não dá valor ao juramento que fez perante os representantes do paiz, mas sabem muito bem os que o rodeiam, que esse juramento deve ser cumprido". (Nota 11)
A "monarquia nova" esclerosava de velhos problemas…
"A monarchia nova tem commetido erros graves, desde o desprezo a que deitou as colonias que estão em risco de desapparecerem, até ao escandalo do addiamento sucessivo do parlamento e ameaça de dissolução. Durante o reinado de D. Manuel já foram empenhados os rendimentos provenientes da concessão do monopolio dos phosphoros, as receitas ainda livres dos caminhos de ferro do estado e as setenta e duas mil obrigações da Companhia Real dos Caminhos de Ferro.
Durante o reinado de D. Manuel já tivemos quatro governos que nada fizeram que nos interesse. É precizo que assim não continue". (Nota 12)

Nota 11 — D. Manuel II subira ao trono com apenas 18 anos, na sequência dos acontecimentos de 1 de Fevereiro de 1908 — assassinato de seu pai, o Rei D. Carlos, e de seu irmão, o príncipe herdeiro D. Luís Filipe.

João Elisário de Carvalho Montenegro

Brasil que acolhera portugueses de todos os cantos, também da Lousã. João Elisário de Carvalho Montenegro era um dos filhos da terra que no Brasil jogara a sorte, e por ali fizera imensa fortuna. O Comendador não era dos que tinham os ouvidos calejados, insensíveis à miséria alheia. Bem pelo contrário, foi dos maiores beneméritos que a Lousã regista nos seus anais. O "Commercio da Louzã" de 22 de Junho de 1909 dedicava-lhe a quase totalidade da primeira página, com direito a retrato, o primeiro retrato pessoal dado à estampa em primeiras páginas, desde a edição primeira:
"(…) estampando no logar que lhe pertence, o seu retrato, expondo assim mais uma vez a consideração publica àquelle que tanta necessidade tem minorado, e que a tanto lar tem levado a felicidade; sim, porque a sua obra de caridade não tem sido só socorrer com o seu dinheiro os pobres, tem sido, o proteger e auxiliar o desenvolvimento da instrucção entre nós, na sua querida Louzã…".

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Brazil de hoje já não é o açouge d'outros tempos

A notícia da morte do Presidente da República Brasileira servia para lembrar o homem que se dedicara aos desfavorecidos:
"Pouco conhecedores dos seus altos merecimentos de estadista, apenas nos limitaremos a manifestar o nosso sentir pela morte d'aquelle que em vida tanto vellou pela saude publica, pois que, por conterraneos nossos sabemos que o Brazil de hoje já não é o açouge d'outros tempos, em que as classes rudes eram abatidas pela intensidade das febres, com escandalosa indifferença dos poderes publicos".
O "Brazil de hoje", note-se, era uma República, não uma monarquia…

Proletários vítimas dos zangãos sociais

No número onze (15.06.1909), o título "Alimentação publica" parecia prometer texto arredado de política, dado o tema. Mas não. A deficiência na alimentação era, para o articulista "Alguem d'Algures", causa do "depauperamento phisico das raças", e consequência da "avareza e sovinice como é remunerado o proletariado que trabalha e produz, muito menos para si do que para os zangãos sociais".
Os bafejados da sorte, os capitalistas, os terratenentes comeriam tudo, e o resultado infalível traduzia-se na "fome que mata lentamente os engeitados da patria descaroavel e madrasta":
"Em conclusão: A Fome com todo o seu cortejo lugubre de misérias já penetrou em muitos lares onde os abastados e felizões nem de leve põem a sua ideia. Mas não importa porque o egoismo feroz de que estão possuidos não lhes dá azo a pensarem nos seus irmãos famintos, para só pensarem nas suas respeitáveis barrigas sempre em constantes e difficeis funções digestivas".
E nem os clamores dos jornais em defesa dos desafortunados da sorte conseguia alterar o rumo das coisas:
"Não importa que os clamores dos que soffrem e ainda dos que sentem a desgraça alheia, feitos pela boca da ?Imprensa lhe cheguem aos ouvidos calejados, porque esses clamores hão de voltar de recochete como se batessem nalguma muralha de granito, sem penetrarem nesses corações mais duros que o silex e mais frios que o gelo dos polos".

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A bordo ha criados portugueses

Do que o abastado largava mão, podia o operário lousanense gastá-lo nos saldos que o jornal anunciava, na mesma edição. A "Loja do Povo" prometia "explendidas occasiões que se não encontram mais". Cobertores desde 500 réis, lenços a partir de cinco. Quem tivesse a sorte de 2.500 réis amealhados e se dispusesse a gastá-los à uma na "Loja do Povo", tinha direito a "um lindo sabonete MIMOSO".
O estabelecimento de Abel Baptista também saldava, o mesmo valendo para a "Casa Louzanense"; João Lima, agente da "Singer" em Covas de Serpins, facilitava a compra "a 500 réis semanaes".
Anúncios que muitos não leriam já, fugindo à miséria em barcos da "Mala Real Ingleza", rumo à Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco ou Santos. Emigrassem com a ajuda do "Avon", do "Aragon", do "Danube" ou do "Araguaya", em todos a companhia prometia um supremo luxo: "A bordo ha criados portugueses".

Aquelle que gasta a maior parte da sua existencia em proveito do abastado

A orientação socialista do jornal voltava a sinalizar-se com a inclusão, em primeira página, de um artigo intitulado "Protecção aos operarios". Na página três justificava-se a recuperação do texto, publicado quatro anos antes noutro periódico editado no concelho:
"É do 'Louzanense' de 1905 o nosso primeiro artigo, que, pela sua doutrina e pelo pouco que se tem feito, do que reclama em favor do operario, nunca é demais repeti-lo e propaga-lo entre as camadas sociaes, até que alguma coisa se faça em favor d'aquelle que gasta a maior parte da sua existencia em proveito do abastado, que olha para elle, depois de gasto, como quem olha para uma machina, já sem concerto, que se atira para o monturo das coisas inuteis".

1 de Junho de 1909 - O doce amplexo de confraternisação

No sonho de "V.", os homens "uniram-se num doce amplexo de confraternisação":
"Os ricos deixaram de esbanjar em luxos e vaidades o que de direito pertencia aos seus irmãos famintos; acabou a distincção de castas; deixaram de existir logares reservados nas egrejas e outros logares publicos para a aristrocracia. Aristocracia e plebe fundiram-se e essa liga (sem ser metallica) chama-se Povo.
Proclamou-se um governo que tinha por divisa a Maxima Liberdade".
Escusado será dizer que o articulista sofreu forte desilusão ao acordar…

1 de Junho de 1909 - O abade Paes Pinto

A 1 de Junho, o número nove do semanário lousanense voltava a ocupar a sua primeira página com temas ligados ao movimento republicano. Noticiava-se a tentativa frustrada de punição de um oficial reformado da marinha de guerra, que havia proferido conferência sobre o polémico convénio com o Transwaal, e que nela manifestara posição contrária ao referido tratado. O jornal parabenizava o ministro da marinha por ter impedido a consumação da punição ao conferencista.
O espaço mais nobre da primeira página ficava a cargo de outra transcrição, agora do jornal "O Mundo". Um artigo, o último da autoria do abade Paes Pinto, considerado pelo "Commercio da Louzã" um "espirito culto de revolucionario, a quem, de ha dezoito annos a esta parte tanto deveu o partido republicano".
O texto intitulava-se "Republica e Religião", e o jornal da Lousã, lembrando-se do que prometera no seu "Programma", tratava de desdramatizar a inclusão de tal prosa:
"Não o fazemos com o fim de servir esta ou aquella ideia, mas sim por vêrmos nas palavras do honrado sacerdote, que quaesquer que sejam as instituições liberaes, seja qual for o nome que se lhe dê, teem por dever acatar e fazer respeitar as crenças de cada um".
Na página dois, o texto da autoria de "V.", sob o título e o pretexto "As illusões d'um sonho", comportava gordo repositório dos ideais da Igualdade, Liberdade e Fraternidade.
O autor sonhava com a chegada do "grande Reformador", vindo para "resgatar a humanidade, que se debatia nas garras do Despotismo e da Tyrania"; nem acordou com o "enorme e ensurdecedor ruido" provocado pelas "ruinas d'um mundo velho, corrupto, fundado em alicerces de lodo que desabavam", e davam lugar a outro mundo, este feito "de Paz, de Amor, de Justiça e de Bondade", "inundando de uma Luz rutilante infinitamente mais intensa do que a do Astro Rei".
Repare-se na ironia subtil da chamada a final de frase, não do sol, mas do astro a quem coube em sorte emparelhar a cognome com a monarquia…